quinta-feira, 10 de julho de 2008

LEILA - Cap. 1 - Destino

Leila não consegue dormir. Se vira para um lado. Se vira para o outro. O travesseiro está desconfortável. A cama vazia e a janela aberta. A lua cheia ilumina a mesa, onde está o bilhete de avião. Levanta-se, veste uma roupa e o cachecol, pega a bolsa e desce as escadas.
Na portaria do hotel, sentado o balconista mórbido tira um cochilo. Leila permanece parada por alguns instantes, até ele acordar. Não acorda.
- Tem algum lugar aberto a essa hora? – diz Leila. O balconista mórbido abre os olhos, olho por olho, como se estivesse dormindo há séculos. Ele pergunta sobre que lugar estava procurando. O cemitério e a igreja nunca fechavam.
- Eu preciso esquecer algumas coisas. Tem alguma cafeteria aberta?
O balconista mórbido, com palavras dormidas, explicou que Salvador do Sul não era Paris e que talvez nem durante o dia existisse cafeterias melancólicas com garçons solidários a histórias tristes. Mas tinha um posto 24 horas, na avenida central, perto da rotatória.
Leila sente um ar gelado pelo casaco aberto ao entrar na avenida. Se protege com o cachecol. O que devo fazer? Eu fui sempre tão segura nas minhas decisões, tão sabida. Conhecer o Tales não me tirou o sono. Tirou a vida. Eu não tenho nem o telefone, só o endereço. Eu nem falei nada, não disse do quê gostava, do seu cabelo. Ele não tinha nem meus contatos. E agora só mais uma noite. Ou é hoje, ou nunca mais.
Leila se aproxima do posto. Ao lado da loja de conveniências há uma farmácia, e a frente desses, um guarda noturno, vestido de preto e com cara de brabo. Mas todos tinham cheiro de posto. Em alguns passos, entrou na loja. A televisão estava ligada. Jô Soares. O balconista quieto está no computador, olhando o Orkut. Leila pede um café. De máquina, pode ser. Não há mesas, nem cadeiras. Apenas uma máquina de café, lanches velhos e uma banca com algumas revistas. Leila paga o café e sai da loja, insatisfeita. Tenta na farmácia algo melhor.
- Tem algum remédio para a alma?
O balconista sorriso confortável responde que havia anti-depressivos, calmantes, chás naturais, alguns tarja vermelha, outros preta, outros sem tarja. Mas todos eles remediavam, não mediavam coisa alguma.
- Depois que o efeito passa, a causa volta. Às vezes mais forte. Às vezes tarde demais.
Leila retoma a avenida central. Toma o sentido contrário do hotel. Sentido do seu sentido. Bate na porta da casa 177 da avenida central.
Um homem grisalho abre a portinha olho-mágico do meio da porta da casa. Não havia ninguém. Leila tinha se escondido. Espera a portinha olho-mágico fechar e a luz da casa se apagar. Dá a volta na casa. Bate na janela. Bate de novo. A luz do quarto acende. Tales abre a janela e pergunta o que houve. Leila abre um sorriso.
- Te encontro em Bruxelas. Aqui está o endereço.
Leila laça o cachecol no seu pescoço e saca um beijo. Olha no meio dos olhos. E volta a avenida central.

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