sexta-feira, 20 de junho de 2008

Au(E)xílio

Proposta: O não dito. O uso dos implícitos na linguagem oral.
Três irmãos adultos, duas mulheres e um homem. Estão reunidos com o pai para convencê-lo a ir para um asilo. Não há problemas de dinheiro. Importante: cada filho pode ter uma razão. Construção de um diálogo onde fique claro a intenção de cada um no implícito. Utilização de diálogos diretos, indiretos e indiretos livres.

A estratégia para cantar o pai Ricardo para a cozinha havia dado certo. Depois do churrasco de domingo, Júnior, o filho mais velho, convidaria o pai para tomar um café passado. As duas gurias,
Joana e Felipa esperavam lavando a louça. Joana com o pano de pratos, saudou:

- Pai, como você consegue se virar aqui sozinho nessa casa tão grande?

Ricardo deu uma risada. Ricardo e Júnior sentaram-se à mesa, dentro da cozinha. A casa trazia muitas lembranças e duas vezes por semana para limpar, lavar e conversar tinha a Matilde.

- A Matilde é uma mercenária e ladra, - gritou Felipa, ensaboando os pratos. E afirmou que ele precisava de companhias de verdade. Gente com quem pudesse conversar sobre seus assuntos, sua época...

O pai contornava com o dedo indicador a borda de cima da xícara de café. O barulho da água escorrendo na pia, escondia os pensamentos do pai.

- O que vocês querem que eu faça? Não quero ir morar com vocês, ninguém mais mora em casa, só nesses apartamentos apertados, que não se pode nem roncar nem nada.

Júnior ria.

- As casas são muito perigosas - disse Felipa. - Inclusive é um milagre você não ter sido assaltado ainda.

Joana, mais calma, perguntou por Darci.

- O Darci vai bem. Faz tempo que não falo com ele, está sempre envolvido em bailes e excursões.

– O pai colocava adoçante no café.

Júnior perguntou:

- Pai, você sabia que existem muito mais mulheres que homens num Asilo?

Ricardo saiu da sala sem tomar o café. Júnior ganhou um pano de pratos da Joana e a brabeza de Felipa.

sábado, 7 de junho de 2008

A surpresa

Proposta:
Narrativa em primeira pessoa. Vôo. Estamos do lado de alguém. Temos que convencer alguém que somos outra pessoa. Sugerir. Não dizer especificamente. Diálogo ambíguo.


Acordei com a frase:

- Serviço de bordo?

Mal o “Dramin” tinha dado o efeito. Os vôos de Guarulhos-Porto Alegre estavam cada vez mais cansativos. E essas aeromoças estavam cada vez mais indelicadas. Via de regra, quando um passageiro dorme, não se faz a pergunta. Eu me recuperava da tontura da droga quando ao meu lado, interveio a sua réplica:

- Sim, se sobrar, pode me trazer mais um?

Coloquei o óculos, me recompus e mirei: Era a “Selminha Soares” atriz da novela da Record. Esbelta, linda e atraente. Aceitei o lanhe. A cada mordida dela, dava uma mordida também. Sincronia. Olhei para ela com um ar de surpresa, para chamar atenção. E toda a timidez reprimida soltou uma frase, mal pensada:

- Selminha, você não lembra de mim?

- Sou péssima em lembrar pessoas, não lembro.

- Eu sou seu vizinho. Nos encontramos nos corredores, na ruas, passeios com o cachorro.

- Nossa, desculpa. Eu sou muito avoada mesmo.

- Não se preocupe. Minha vida também está muito agitada. O novo programa na Bandeirantes está me tirando o sono.

- Programa? O que você faz?

A aeromoça, nem tão moça, trouxe o outro lanche. Pedi outro também. Comi o sanduíche e deixei as frutas. Da mesma forma que ela fez. Conscientemente. Fui agradar:

- Sabe, eu também não gosto de frutas.

- Eu gosto, mas eu como só no final.

Percebi que era o fim do diálogo. Mas, ainda estava jogando. O vôo começaria a descer. Pedimos o café. Com açúcar. Sem açúcar. Esperamos aqueles imensos minutos até o avião abrir as portas. No saguão, esperando as malas, a surpresa.

- Você não quer dividir o taxi? Se moramos tão perto.

- Que ironia. Minha mãe ficou de me buscar. Então.

- Será que ela se importa em dar uma carona?

- Não. Não.

Esperamos meia hora. Minha mãe morava no norte do Estado. O problema é que eu não tinha idéia de onde a criatura morava. Ela sabia que eu sabia. Era uma questão de deixar ela pedir para o táxi. Entramos no táxi:

- Para onde? Disse o taxista. Silêncio.

- Para o Bom fim. Disse eu, derrotado. Olhei de entrecanto para o lado. Nada.

Chegamos a minha casa.

- Eu pago.

- Tudo bem, estou indo para o Plaza.

- O quê?

- Passo um dia na tua casa. Agora eu sei onde você mora.

- E você?

- Eu moro em São Paulo.

domingo, 1 de junho de 2008

A armadilha dos sentidos

O problema da passagem do tempo é também um problema empírico. Os nossos sentidos não são capazes de produzir sentido, ou dar um significado, como fazem com o calor, com o frio, com o cheiro, com o gosto, com os sons. A passagem do tempo se dá nessa produção de sentido dessas experiências sensíveis. Qual é a experiência do tempo? É o rastro? L´escriture? A razão, a mente em si tem maior “consciência” temporal do que propriamente quando tentamos entender o tempo. Nosso corpo biológico funciona bem. O problema todo está no compreender o presente como uma eternidade. Com algo que nunca passa, apenas já passou ou está porvir. Essa é a armadilha dos sentidos.