quarta-feira, 28 de maio de 2008

Questões Preliminares de Joel IV (Monólogo Interior ou Fluxo de Consciência?)

O que aconteceu com aquela criatura? Passei alguns anos, naquelas tardes de preguiça, olhando algum programa que lembra de crianças com talentos mas sem oportunidades, vinha o Joel na cabeça. Foi numa tarde fria de Porto Alegre, na espera de um ônibus, entrei numa lancheria (não existem cafeterias na rodoviária de Porto Alegre) para tomar um café com leite. Sentei e fiquei olhando os Pães de queijo. Lanches das lancherias de rodoviária, só com muita fome.

Lá estava Joel. Sentado do outro lado da lancheria, grudado num pastel de carne. Mais gordo, mais baixo, mais careca e menos apressado. Pensei no queria teria acontecido com ele. Sobreviveu, foi o que primeiro me veio à mente. Deve ter trabalhado muito, não era de se queixar. Fazia chuva, fazia sol, estava sentado naquele fio de calçada, olhos atentos a qualquer ladino que viesse atentar seus carros. Ele olhou na minha direção. O olhar era outro. Não me reconheceu. Também, eu era um de tantos, ele era uma peça rara.

Fiquei ali esperando o Xis salada ficar pronto. Uma angustia tomou conta de mim, falo com ele, ou não falo. Ele se levantou e foi até o caixa. Na sua pasta preta carregada com a mão esquerda estava escrito “Curso de História”. Havia se entregado. Ou se encontrado, matemática não serve pra nada mesmo, se tivesse escolhido engenharia ganharia um pouco mais.

Ele se dirigiu ao banheiro (que era quase dentro da cozinha da lancheria). Eu não tinha muitas escolhas. Abordava ou não abordava. Nisso chegou o lanche e iniciei o esforço mastigatório. Olhava insistentemente para a porta de onde ele entrara. Passaram-se uns minutos e o Xis começou há ter um pouco de graça, pedi um ketchup, e a atenção já estava mais no programa de televisão que mostrava um acidente de avião. Quando me dei por conta, vi ele de costas dobrando o corredor, para algum lugar desse mundo.

domingo, 4 de maio de 2008

O que você fez com a minha fantasia de gorila?

Inspirado nas conversas com o vivente Luís Alberto Warat,
produzido na Oficina de Criação Literária 39,

João questionava Joana. Joana se irritava. Mas não era apenas para retrucar. O casamento estava desmoronando. E a fantasia onde estava? João queria a fantasia, queria a alegria perdida. A fantasia é a lembrança da alegria do baile de carnaval de 1988, onde encontrara Joana, a louca índia guarani. O gorila gordo, como chamavam os amigos de perto, encontrou Joana naquela última noite antes da quarta-feira de cinzas. João era um homem apaixonado. Não transparecia de modo explícito, mas com freqüência contava a seu bebê os momentos importantes de sua vida:

“Eu estou de vestido de gorila. Cheiro de cerveja, lança-perfume e purpurina. Os corpos se tocavam de forma involuntária, uns pra cá, outros pra lá, nos embalos das marchinhas. Num determinado momento, o hit do momento, Perdidos na Selva do Barão Vermelho começa a tocar. Todos meus amigos se aproximam e começamos a pular. No mesmo momento, um grupo de gurias começa a pular. Nesse grupo estava a índia-guarani. Olhamos e começamos a rir. As fantasias eram perfeitas. Nós éramos perfeitos.”

Ao terminar de contar a história no quarto do bebê, João olha para os lados. Não há ninguém. Joana estava assistindo televisão. Buscando fantasias. Não a fantasia do gorila, que ela havia perdido.