sábado, 7 de junho de 2008

A surpresa

Proposta:
Narrativa em primeira pessoa. Vôo. Estamos do lado de alguém. Temos que convencer alguém que somos outra pessoa. Sugerir. Não dizer especificamente. Diálogo ambíguo.


Acordei com a frase:

- Serviço de bordo?

Mal o “Dramin” tinha dado o efeito. Os vôos de Guarulhos-Porto Alegre estavam cada vez mais cansativos. E essas aeromoças estavam cada vez mais indelicadas. Via de regra, quando um passageiro dorme, não se faz a pergunta. Eu me recuperava da tontura da droga quando ao meu lado, interveio a sua réplica:

- Sim, se sobrar, pode me trazer mais um?

Coloquei o óculos, me recompus e mirei: Era a “Selminha Soares” atriz da novela da Record. Esbelta, linda e atraente. Aceitei o lanhe. A cada mordida dela, dava uma mordida também. Sincronia. Olhei para ela com um ar de surpresa, para chamar atenção. E toda a timidez reprimida soltou uma frase, mal pensada:

- Selminha, você não lembra de mim?

- Sou péssima em lembrar pessoas, não lembro.

- Eu sou seu vizinho. Nos encontramos nos corredores, na ruas, passeios com o cachorro.

- Nossa, desculpa. Eu sou muito avoada mesmo.

- Não se preocupe. Minha vida também está muito agitada. O novo programa na Bandeirantes está me tirando o sono.

- Programa? O que você faz?

A aeromoça, nem tão moça, trouxe o outro lanche. Pedi outro também. Comi o sanduíche e deixei as frutas. Da mesma forma que ela fez. Conscientemente. Fui agradar:

- Sabe, eu também não gosto de frutas.

- Eu gosto, mas eu como só no final.

Percebi que era o fim do diálogo. Mas, ainda estava jogando. O vôo começaria a descer. Pedimos o café. Com açúcar. Sem açúcar. Esperamos aqueles imensos minutos até o avião abrir as portas. No saguão, esperando as malas, a surpresa.

- Você não quer dividir o taxi? Se moramos tão perto.

- Que ironia. Minha mãe ficou de me buscar. Então.

- Será que ela se importa em dar uma carona?

- Não. Não.

Esperamos meia hora. Minha mãe morava no norte do Estado. O problema é que eu não tinha idéia de onde a criatura morava. Ela sabia que eu sabia. Era uma questão de deixar ela pedir para o táxi. Entramos no táxi:

- Para onde? Disse o taxista. Silêncio.

- Para o Bom fim. Disse eu, derrotado. Olhei de entrecanto para o lado. Nada.

Chegamos a minha casa.

- Eu pago.

- Tudo bem, estou indo para o Plaza.

- O quê?

- Passo um dia na tua casa. Agora eu sei onde você mora.

- E você?

- Eu moro em São Paulo.

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